Start me up: não te conto, mas é uma grande ideia

Estar apaixonado por uma ideia ou pessoa é maravilhoso, mas torna-nos cegos. Daí que o meu conselho em relação às ideias (deixo a análise das pessoas aos livros do Gustavo Santos) seja deixar passar a fase da paixão ardente.

Aproveite esse tempo para pesquisar a fundo. Provavelmente já alguém se lembrou do mesmo, alguma startup já falhou em algo parecido. É difícil porque tememos, por vezes inconscientemente, encontrar algo que destrua a ideia que amamos, e esse medo impede-nos de avançar para a página de pesquisa seguinte. Se não conseguir passar a fase da paixão - já os Heróis do Mar cantavam, era até ao fim -, é provável que passe pelas situações seguintes.

1. Depois do grande secretismo, conta, finalmente, a ideia a alguns amigos, mas o entusiasmo deles não é animador. OK, estes parvos não percebem nada, mas nem sequer é área deles, vão ver quando resultar. Nem vou perder tempo a contar a mais alguém.

2. Entretanto, o business plan está quase pronto. E bonito, bem formatado, mal se nota o template. Só tem um ligeiro problema, o resultado líquido é fraco e mostra que o negócio não é viável. Uma estúpida folha de Excel a estragar o sonho de uma vida. Resolve-se: uma martelada de otimismo na página dos proveitos, pozinhos de austeridade nos custos, et voilà, afinal dá dinheiro.

Não se esconda atrás das ideias, até porque elas não valem rigorosamente nada se não forem bem executadas (ideas are a dime a dozen, execution is priceless). A probabilidade de lhe roubarem uma ideia é mínima, quando comparada com a probabilidade de fazer asneira por não ouvir as pessoas certas. Mas quem quer saber de estatística quando está apaixonado?

Ondas grandes

Ouvimos falar muito na onda das startups. Mas fala-se sempre da parte de cima da onda, daquela parte bonita que se vê da praia, que facilmente se transforma em frases motivacionais que dão likes no Facebook às centenas, se temperadas com um pouco de azeite. Raramente se fala da outra parte, aquela em que a onda quebra levando-nos para debaixo de água e temos de aguentar sem respirar. Essa parte resume a vida de muitos surfistas de ondas grandes e de quase todos os fundadores de startups. Depois de muito esbracejar, algo abalados pela falta de ar, finalmente voltamos acima e conseguimos respirar, isto é, fechamos uma ronda de investimento. E ali estamos a olhar para o céu, de pulmões bem abertos, a respirar o ar com que sonhámos. E então olhamos para a frente e vem novo set - este é dos grandes. Remamos com toda a energia, passamos a primeira onda no limite, mas a segunda quebra em força ali mesmo à frente. E lá vamos mais uma vez dar voltas e reviravoltas debaixo de água, fazer o impossível para tentar vir à tona. Acabamos cansados, quase sem fôlego, mas muito felizes e cheios de vontade de não sair do mar.

Uma questão de tempo

No LinkedIn, todos têm bons empregos, no Instagram, ótima imagem, no Facebook, grandes vidas. No café da esquina, todos se queixam do emprego, da imagem e da vida. No caso dos empreendedores, também há uma distância entre ser e parecer - a muitos interessa mais a aparência do mérito do que o próprio mérito. E na maioria dos casos não é excesso de bazófia, apenas sintoma de um ecossistema pouco maduro, em que encontramos investidores pouco profissionais que se deslumbram com as aparências e não separam o trigo do joio, levando os empreendedores a apostar demasiado nessas aparências; e media demasiado eufóricos com o tema do empreendedorismo e pouco fact checking (uma tentação para os empreendedores empolarem números e se porem em bicos de pés).

Recentemente, um amigo responsável por uma startup - noticiada em títulos demasiado otimistas e com a expressão "milhões de euros" omnipresente - dizia a rir: "Os meus amigos acham que estou rico, a minha avó pensa que sou milionário, e ainda não ganhei um euro com este projeto." É um facto que estamos pouco maduros, mas a evolução do empreendedorismo em Portugal tem sido notável - há cinco anos pouco se falava de startups - e acredito que é uma questão de tempo até todos os intervenientes amadurecerem. Londres e Berlim viveram isso há dez anos. Silicon Valley leva 20 de avanço.

André Dias
Fundador da startup SnapCity

* Artigo originalmente publicado no Diário de Notícias

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