6 Anos de Startup Lisboa by Ana Santiago

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A vida está cheia de momentos decisivos, daqueles em que uma ligeira mudança de sentido numa viagem, a ida ou não a um evento, o conhecer ou não aquela pessoa àquela hora influenciam para sempre o rumo da nossa existência. 
Um dos momentos decisivos na minha vida foi ter aceitado o convite para integrar a equipa da Startup Lisboa. O destino colocou-me no caminho de certas pessoas, o livre arbítrio levou-me a dizer sim.

No início de 2013 a palavra empreendedor ainda não era proferida nas redes sociais e por alguma opinião pública com um tom entre a histeria e o desdém. A Web Summit era coisa que nem sonhávamos que alguma vez viesse a acontecer em Lisboa, seria mais ou menos como ganhar a Eurovisão - impossível. E eu, muito sinceramente, apesar de ser uma dependente da internet e cliente já de várias startups, com uma atividade maioritariamente na causa pública, dedicada às áreas da comunicação e cultura, não fazia ideia do que era uma startup.

Quis o destino que viesse trabalhar numa casa em que o empreendedorismo nunca foi encarado e pronunciado de forma leviana, como se da salvação da pátria se trate. Teria durado pouco na Startup Lisboa se tivesse dado com pessoas que dizem aos desempregados deste país: “se não tens trabalho é porque não és empreendedor”.

Aqui, achamos que nem todos nasceram empreendedores e não são mais nem menos por isso. Também acreditamos que ajudando empresas a desenvolver-se estamos a contribuir para que mais postos de trabalho sejam criados, e mais riqueza e desenvolvimento se produzam no país.

E, por favor, não nos venham dizer que foi a crise que nos fez ver a luz. A crise não é boa para nada e sobretudo não é por causa da crise que há hoje mais empresas, empreendedores e artigos na imprensa internacional a elogiar-nos.  A crise é uma porcaria. A crise destrói famílias e destrói a moral. A crise quando muito só nos ajudou a perder o medo, porque quando se perde tudo também se perde o medo.

De resto, o reconhecimento por termos começado a sair de um certo lado obscuro do país perdido entre a culpa, o medo, a humildade pobrezinha de quem tudo deve e nada pode exigir, e o pudor de falar em dinheiro, vai para uma geração a quem nem tudo tem sido dado, a quem muito foi retirado, mas que conseguiu tirar do muito que também já recebeu em educação, e a um certo ADN português de talento e garra, a verdadeira vocação global e ganas de fazer coisas que envergonham certas teorias de que a sul sofremos de letargia.

Não sofremos. Os meus dias na Startup Lisboa dizem-me isso, por todas as horas de esforço, dedicação, suor, lágrimas e risos, e risos entre lágrimas, que dos seis pisos do número 80 da Rua da Prata já vi e ouvi sair por parte dos fundadores de quase 300 startups que por ali passaram. Para eles, os empreendedores da casa, vai a minha homenagem, para a equipa da Startup Lisboa seria falsa modéstia não dizer que são (somos) boas pessoas. 
No mundo do empreendedorismo, apesar da competição e dos piores hábitos herdados do mindset de Silicon Valley, no final é tudo sobre pessoas e são as boas pessoas que queremos que se sentem à mesa connosco. Investe-se mais nas pessoas do que nas ideias.

Estes seis anos de Startup Lisboa são praticamente os seis anos do ecossistema empreendedor português. Com devida vénia a alguns precursores - Talkdesk, Farfetch, Aptoide, para nomear alguns -  que se atreveram antes disso, o berço da nação empreendedora está na Baixa de Lisboa. “Onde já se viu fazer uma incubadora para startups tech no centro histórico?”, ouviu-se no início. 
Onde já se viu um país assim que hoje tem incubadoras de norte a sul? A glória disso não é nossa, mas ao fim de seis anos é bom saber que não andámos enganados e há um país a fazer cada vez mais e melhor.

Nós continuamos a fazer o que sempre quisemos fazer: ajudar os empreendedores com um espaço, serviços e um ambiente favorável a transformar a sua ideia numa ideia de negócio rentável, que crie emprego e riqueza.

Revi um destes dias o filme Sliding Doors, de 1998, protagonizado pela Gwyneth Paltrow, que em português recebeu o título “Instantes decisivos” e inspirou-me no começo deste texto. Não consigo deixar de sorrir ao lembrar-me que a determinada altura o rapaz diz para a rapariga “nobody expects the Spanish Inquisition”, citando os Monty Python para a animar, mas sem recorrer ao esperado “always look to the bright side of life”.

Vinda de um tempo em que vivi traumatizada pela falência de uma empresa que tive nos anos 90, a Startup Lisboa tem-me ajudado a libertar do medo de falhar. Aprendi que a perfeição é uma ilusão e a concretização um imperativo.

Acima de tudo a Startup Lisboa ensinou-me que todos os dias são um bom dia para começar. Ou recomeçar, porque, you know, “nobody expects the Spanish Inquisiton”.

Obrigada Startup Lisboa.

Ana Santiago